Não dá para falar da cultura chinesa sem falar de superstições. Porque elas fazem parte da cultura chinesa de forma tão arraigada, que afetam a vida mesmo de quem não acredita nelas. Compartilho algumas tradições e curiosidades que, mesmo que não sejam seguidas por todos os chineses, são interessantes para refletir sobre o modo de ver a vida conectada com o transcendental. Nesse post falo do horóscopo chinês e do Feng Shui e no segundo post sobre o tema (clique aqui), compartilho outros aspectos.

O horóscopo chinês é diferente do que conhecemos, pois os signos são 12 e vão por ano e não por mês. Os signos são representados por animais (Rato, Boi, Tigre, Coelho, Dragão, Serpente, Cavalo, Carneiro, Macaco, Galo, Cão e Porco). Há também 5 elementos (madeira, fogo, terra, metal e água) que vão se revezando cada vez que um animal repete. Por exemplo, macaco de madeira, 12 anos depois é macaco de fogo, etc.

Um fato interessante é que se alguém pergunta seu signo pode ser que esteja querendo saber sua idade. Como os signos só se repetem a cada 12 anos, se você fala, por exemplo que é macaco, no ano do macaco, eles calculam que você pode ter então 12, 24, 36, 48 ou 60 anos. Assim, fica fácil adivinhar a idade.

O mais interessante é que, devido às personalidades atribuídas a cada signo, eles preferem alguns e desconfiam de outros. E isso tem consequências práticas.

O signo de dragão é de longe o preferido e, dizem algumas fontes, que nos anos desse signo aumenta a taxa de natalidade na China, enquanto que nos anos do tigre, que são crianças consideradas difíceis, a taxa cai.

O ano de 1966 registrou menos nascimentos em Hong Kong do que os outros anos na década de 60, porque era um signo considerado particularmente ruim, gerador de crianças incontroláveis: o cavalo de fogo.

Algumas grávidas optam por cesariana para garantir que o bebê nasça no signo que preferem. Em janeiro de 2013 o número de cesarianas na China aumentou, porque era o último mês para que os bebês nascessem sob o sino do dragão.

Além disso, alguns eventos importantes na vida dos chineses são marcados de acordo com o horóscopo. Um colega que estava terminando o doutorado quando eu entrei, informou que ia se casar uma semana antes do prazo final de entrega da tese. Eu perguntei: porque você não marcou o casamento para a semana seguinte, quando já teria entregue a tese? Pareceu-me masoquismo fazer coincidir dois eventos que consumem muito tempo e energia emocional. Ele respondeu que tinham consultado um especialista e que o horóscopo revelou que aquela era a semana mais propícia para que o casamento desse certo. Vale ressaltar que ele é um acadêmico que está fazendo pós-doutorado.

Os meses de agosto e setembro são considerados de má sorte em Hong Kong. Segunda a tradição, os portões do inferno são abertos nesses meses e os chineses cuidam para não ofender os espíritos que perambulam pela terra. Assim, eles evitam se casar e mudar de trabalho e casa nessa época.

Cartaz na universidade: "se você não fechar a porta, a má sorte vai entrar". Depois de vários cartazes pedindo para o povo fechar a porta de um laboratório, resolveram apelar para a superstição para ver se funciona.
Cartaz na universidade: “se você não fechar a porta, a má sorte vai entrar”. Depois de vários cartazes pedindo para as pessoas fecharem a porta de um laboratório, resolveram apelar para a superstição do povo para ver se funciona.

Já o Feng Shui é uma técnica de harmonia das construções, que alcançou o mundo inteiro. A ideia é que o ser humano deve viver em harmonia com a natureza. Há uma série de regras na hora de construir edifícios e de como arrumar o interior de imóveis. O ideal é construir perto de rio e com o fundo protegido por montanha.

Consulta-se o Feng Sui para decidir o lugar onde se abrirá um negócio ou se construirá um templo ou casa. Inclusive, o compasso foi inventado na China não para navegar, mas para ser usado no Feng Shui.

Além de onde construir, a técnica determina o material principal da construção, sua forma, esquema de cores, o posicionamento de portas, janelas e móveis, e até onde flores ou souvenires devem ser colocados.

Como Hong Kong não tem tanta alternativa de lugares para construir, devido à sua geografia montanhosa, as regras do Feng Shui se adaptaram um pouco. O posicionamento de espelhos hexagonais ajudaria a proteger contra o mau olhado e, na falta, de rio, espelhos d’água são usados para atrair prosperidade. Uma breve caminhada na área central de Hong Kong, que reúne sede de vários bancos, permite perceber a influência do Feng Shui: abundam espelhos e fontes d’água.

Estima-se que Hong Kong tenha mais de 10 mil especialistas em Feng Shui (porque na China pós revolução cultural, essa técnica foi proibido, assim como quase tudo considerado supersticioso, enquanto em Hong Kong pode-se praticá-la legalmente). Estes são sempre consultados, mesmo cobrando caro.

Há uma história da loja britânica Marks & Spencer que, quando abriu em Hong Kong, não levou em consideração os princípios do Feng Shui. O negócio não estava indo bem, então os donos resolveram chamar um especialista, que recomendou colocar algumas luzes em lugares estratégicos, um tanque com peixes e até tartarugas de madeira (!). Só então o negócio prosperou…

Aguardem a sequência desse post!