Em Hong Kong há o fenômeno da empregada doméstica estrangeira. Como acontece no Brasil, muitas famílias contratam uma mulher para fazer o serviço doméstico, cuidar dos filhos e/ou pais idosos, etc. Pelas especificidades do trabalho, como morar com a família e o baixo salário, as pessoas de Hong Kong não gostam de fazê-lo. Portanto, as famílias costumam contratar as empregadas de países vizinhos. A maioria vem da Filipina, pois elas falam inglês bem e podem se comunicar com a família (geralmente as famílias que podem arcar com esse gasto falam algum nível de inglês).

Essas mulheres vêm pra Hong Kong com visto específico para trabalhar como domésticas e não podem trabalhar em outra coisa. Penso que é para evitar que elas decidam trocar por outro tipo de trabalho. A família contratante deve fornecer moradia, alimentação e passagem para seu país 1 ou 2 vezes por ano. Com o problema da moradia aqui, os espaços são pequenos e os quartos dedicados às empregadas domésticas são minúsculos e sem janela. Isso quando há. Ouvi histórias de algumas que precisam dormir no quarto das crianças, no chão ou até mesmo no corredor da casa. Além disso, há relatos que algumas são tratadas muito mal pelas famílias.

No início achei que eram mulheres solteiras, mas geralmente elas têm família. É pensando justamente em dar uma vida melhor ao filhos é que elas vêm pra cá. Algumas casam, têm filhos e os deixam pequenos, visitando-os apenas uma vez por ano, nas férias. Alguns maridos arrumam outras mulheres lá, enquanto elas vivem uma vida de reclusão em Hong Kong, sem espaço para ter intimidade.

Elas tendem a ser vistas como vítimas, por serem exploradas por pouco dinheiro, mas no seu país de origem são vistas como heroínas, por se sacrificarem para mandar dinheiro para casa. Como elas não têm gastos de moradia e alimentação, enviam praticamente todo o salário para seu país. Em termos de Hong Kong, o salário é pouco, pois ganham o salário mínimo. Mas nas Filipinas, esse valor é considerado alto, por causa da conversão e da diferença do custo de vida entre os países.

Geralmente o domingo é dia de folga das domésticas. Como elas não têm para aonde ir, elas vão para a região central da cidade e tomam conta de algumas ruas que são fechadas para o trânsito no domingo, e ocupam esse espaço. Além disso, fica perto da embaixada das Filipinas, que abre no domingo para atendê-las.

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Filipinas nas ruas de Hong Kong em um domingo

O curioso é que elas sentam no chão em grupos, divididos por caixas de papelão, que delimitam o espaço como se fossem suas casas. Elas ficam na rua, sob sol escaldante, frio ou chuva e fazem diversas atividades como se estivessem em casa: falam com a família por Skype, jogam cartas, se maquiam, penteiam e fazem a unha umas das outras, vendem coisas que trouxeram de seu país, algumas cantam e há vários grupos que ficam ensaiando coreografias.

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Filipinas sentadas no chão em Hong Kong, com grupos separados por papelão.
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Filipinas maquiando umas às outras em plena rua

Passeando por essa região num domingo, presenciei um evento singular: um palco na rua, em que acontecia um concurso de Miss Filipinas. As candidatas, vestidas em gala, eram entrevistadas numa mistura de inglês e tagalog (o idioma filipino) e desfilavam. Minha mente feminista classificava concursos de misses como algo de exploração e objetificação da mulher, etc. No entanto, pesquisando sobre o evento, tive uma lição de como tudo é relativo. O concurso existe nesse caso para resgatar a autoestima dessas mulheres que são às vezes tratadas como seres humanos inferiores pelas famílias contratantes.

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Concurso de Miss Filipinas em Hong Kong

Achei que não podia ver nada mais extraordinário do que isso, mas em outra vez que fui ao local em um domingo, vi um concurso de casal lésbico formado por domésticas filipinas. Eu já tinha lido que era comum que algumas tivessem namoradas, mesmo não sendo necessariamente homossexuais. Isso porque, como não conseguem ter intimidade e com a falta de homens conterrâneos em Hong Kong, elas arranjam parceiras que estão ao alcance para suprir a carência afetiva. Essa prática, mesmo quando não há a orientação homossexual, me fez lembrar o comportamento dos marinheiros, que testemunhei de perto na minha temporada em alto mar. Só que nos navios, faltam mulheres e sobram homens. Curiosamente, muitos são filipinos…

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celebração da igualdade de gênero em com filipinas em Hong Kong